Educação e Cultura (regionalista) no Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Pernambuco

A proposta desse texto é mostrar algumas ideias sobre educação e cultura (regionalista) que estavam presentes no Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Pernambuco, ideias especialmente tecidas pelo sociólogo Gilberto Freyre, algumas antes mesmo de assumir a direção deste centro.

O Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Pernambuco começou a funcionar no Recife em novembro de 1957. O Centro fazia parte de um projeto mais amplo e organizado por Anísio Teixeira, que objetivava tornar sistemática e descentralizada a Educação no Brasil. Havia, também, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e os Centros Regionais da Bahia, de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, todos criados com o objetivo de fomentar regionalmente a pesquisa e a ciência na Educação (no sentido de promover a descentralização), com vistas a elaborar gradualmente uma política educacional para o país[1].  Seria uma instituição para assanhar professores, intelectuais, políticos e estudiosos das várias regiões do Brasil, colocando-os para estudar, pesquisar e debater sobre a Educação e encampando a ideia de que esta seria necessária para construir uma sociedade moderna, um homem moderno, um homem novo.

Para constituir os Centros, Anísio Teixeira se fundamentou nas ideias de John Dewey[2] (teórico da Escola Nova) sobre a organização do sistema escolar americano, nas diretrizes sobre a descentralização da Educação ditas no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932[3] (que ele assinou como um dos signatários) e no Documento Klineberg[4] (elaborado pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – UNESCO), que destacou a necessidade de atender às demandas regionais.

Foram esses investimentos que fundamentaram as ideias de Anísio Teixeira sobre a organização dos Centros – e, consequentemente, também do Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Pernambuco. Para Anísio Teixeira, a escola seria a “própria vida” e, por isso, teria de “ser instituição essencialmente regional, enraizada no meio local, dirigida e servida por professores da região, identificada com seus mores, seus costumes”[5].

Para assumir a direção do Centro em Pernambuco, Anísio convidou, de forma insistente e estratégica, Gilberto Freyre: um sociólogo que tinha uma preocupação de constituir uma Sociologia aplicada, mas que, por sua vez, configurava ideias de uma brasilidade inspirada numa cultura regionalista (de bases sociológicas). Havia uma necessidade de fundamentar cientificamente as práticas educativas (Escola Nova), e a Sociologia era importante. Gilberto Freyre também foi habilidoso; presumimos que ele viu a possibilidade de tecer suas ideias regionalistas através da Educação.

Havia uma necessidade de Gilberto Freyre firmar a Sociologia (pesquisa) e suas discussões sobre as diferenças regionais. Tanto que, no discurso de inauguração do Centro, Freyre[6] deixou claro perceber como oportuno o convite para dirigir a instituição educacional, pois via a possibilidade de animar um antigo movimento que estava atingindo sua plenitude, anos após ter sido anunciado, o Regionalismo:

“Regionalismo novo no Brasil e novo, talvez, em qualquer país, quando aqui surgiu e se esboçou há trinta e poucos anos. Pois nada tinha que ver nem com caipirismos nem com separatismos nem com apologias exageradas de valores regionais a parte dos gerais”

Para o diretor do Centro, as pesquisas sociais e educacionais que orientam a instituição são dois tipos de estudos que se complementam, e são assim porque têm “a base de um critério há muito da predileção de seu organizador: o critério regional ou ecológico de pesquisa ou de estudo mais de campo que de gabinete”.[7]

Dessa forma, o Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Pernambuco foi uma instituição que permitiu Gilberto Freyre, enquanto diretor, dar visibilidade às suas ideias e atuações, já presentes na Educação desde 1937[8]. Tanto que o discurso[9] que proferiu na inauguração do Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Pernambuco (Região, Pesquisa Social e Educação) quanto as Conferências[10] (Palavras às professoras rurais do Nordeste e Sugestões para uma nova política no Brasil: A rurbana) que ministrou para as professoras que estavam participando do Curso de Treinamento de Professores Rurais do Estado de Pernambuco, foram publicados na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, mostrando a importância dos escritos, bem como a articulação do sociólogo.

Essas ideias foram subjetivadas nas pesquisas, nos cursos, nos seminários e na escola experimental que o centro organizou durante os anos que investigamos (1957-1964). Tanto que os participantes (professores, cursistas, pesquisadores, relatores) do Centro Regional mencionavam essas ideias (contidas nas conferências e palestra) de Gilbeto Freyre.   Por exemplo, a pesquisa realizada por Paulo Rosas[11], foi inspirada nos estudos sobre a “Rurbana” de Freyre – no entender de Rosas, “uma das sugestões mais inteligentes do Dr. Gilberto Freyre”. Aderbal Jurema[12], em debate, também comentou sobre a conferência política rurbana por ocasião de um curso de professoras rurais. Já Paulo Maciel[13], em mesa redonda, recordou-se do artigo “que fala da reinculturação dos valores rurais através do folklore, mostrando que o mais interessante é a infiltração de valores rurais através do tratamento urbano”.

Mas que ideias sobre educação e cultura (regionalista) foram essas?

Na conferência proferida no encerramento do II curso de treinamento para professoras rurais, Freyre[14] anunciou, logo de início, seu “sermão sociológico”, onde informou que a Sociologia podia ser rigorosamente científica, quando descrevia, explicava e interpretava, e poderia, através de análise, recomendar prováveis caminhos a seguir. Ela também poderia ir além, e ser aplicada

Quando o sociólogo vai além desses limites e esboça sugestões de reforma social, é claro que não arbitrárias, mas orientada pelo seu conhecimento científico de situações, de problemas, de condições sociais – sugestões tendentes a modificar tais situações ou a corrigir desajustamentos.

A fala de Freyre nos faz perceber suas intenções diante de uma Sociologia aplicada, já que pontua como algumas profissões agem e intervêm diante dos problemas humanos. Ele saiu em defesa da preservação das características sociais, culturais e regionais do homem e, tendo em vista a Sociologia aplicada, sugeriu sua proposta para a educação das populações rurais: “ao fato de que nele a instrução técnica e científica deve começar a aplicar-se a assuntos especificamente rurais e ao fato de que todo o sentido dessa instrução – deve corresponder a exigências de conhecimentos gerais maiores que exigidos por meio urbano”[15]. Para isso, os professores devem estar atentos aos valores regionais e fazer de forma hábil tal substituição pelos valores científicos (e urbanos), tanto que devem levar em conta o saber popular, que pode ser importante para o próprio cientista.

Sobre o processo educativo, inclusive sobre o analfabeto, disse ainda:

“Se há superstições evidentes que devem ser habilmente combatidas em gente rústica e habilmente substituídas por conhecimentos científicos, outras crenças rústicas devem ser consideradas expressões de sabedoria popular ou folclórica.”

O sociólogo admite uma confraternização dos conhecimentos – o trazido pela “gente rústica” e o conhecimento científico. E continua mostrando como devem agir as professoras (e os outros profissionais) que adquiriram conhecimentos nas escolas e academias: “os velhos, as mulheres, os analfabetos rurais, todos guardam conhecimentos folclóricos sobre aspectos regionais, de natureza e de vida, que, quando gerais, antigos e persistentes, nunca devem ser sistematicamente desprezados, mas cuidadosamente examinados […]”[16].

[1]Gilberto Freyre dirigiu o Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Pernambuco de 1957 até 1975. Investigamos os anos de 1957 até 1964. Ofício nº 372. 1/10/1957.  Enviado do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos para o Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Pernambuco. (Decreto nº 38.460 de 28 de dezembro de 1955). Acervo do Centro de Microfilmagem da Fundação Joaquim Nabuco. Centro Regional de Pesquisa Educacionais de Pernambuco. Caixa 251, 252, 255, 266, 267 (ofícios, boletim, projetos etc). Disponível em: Fundação Joaquim Nabuco (Recife). RESENHA HISTÓRICA DO CRR. In.:Cadernos Região e Educação. Recife: Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Recife, v.3, nº 6, dez, 1963.

[2]TEIXEIRA, Anísio. Em Marcha para a Democracia. À margem dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007. p. 53.

[3]MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA. 1932. 2006. Disponível em: <http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/22e/doc1_22e.pdf>. Acesso em: mar 2010.

[4]KLINEBERG, Otto. Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 1955. V.24. n. 59.

[5] TEIXEIRA, Anísio Spínola. Educação não é privilégio. 7.ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007b. p. 67.

[6] FREYRE, Gilberto. Região, pesquisa social e educação. In.: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro: Inep, 1958 (Vol. XXIX, n. 69). P. 31.

[7] Ibid. P. 36.

[8] Freyre, em 1937, prefaciou o livro Problemas de Ensino Médico e de Educação de Antônio da Silva Mello. Dando continuidade ao “forte diálogo intelectual” que mantinha com Carneiro Leão, Freyre prefaciou, em 1942, o livro Planejar e Agir produzido por aquele educador. O sociólogo, em 1953, escreveu Em torno da situação do professor no Brasil para o anuário Year Book of Education da Universidade de Londres, traduzido e publicado pela Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco em 1956. E ainda, colaborando com os contextos educativos que lhe eram contemporâneos, em 1956, prefaciou o livro Problemas de Ensino Primário em Pernambuco, da professora Isnar de Moura.  Gilberto Freyre, em 1954, foi indicado para assumir a Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco, durante o governo do general Cordeiro de Farias. Ver mais em FREYRE, Gilberto. Prefácios Desgarrados. Brasília: Editora Cátedra, 1978 (prefácio ao livro do professor Antônio Carneiro Leão).  INDICADO PARA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO POR GILBERTO FREYRE. Diário de Pernambuco 21/12/1954. p. 1.

[9] FREYRE, Gilberto. Região, pesquisa social e educação. In.: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro: Inep, 1958 (Vol. XXIX, n. 69).

[10] FREYRE, Gilberto. Palavras às professoras rurais do Nordeste. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro: Inep, 1957b (Vol. XXVIII, n. 68).  O artigo publicado sobre essa conferência não indica exatamente que ano Freyre falou às professoras. Presumimos que foi antes de outubro de 1957, data da publicação do artigo. FREYRE, Gilberto. Palavras às professoras rurais do Nordeste. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro: Inep, 1957b (Vol. XXVIII, n. 68). p. 40.

[11] ROSAS, Paulo. Ajustamento emocional da professora primária em Pernambuco. In.: Cadernos Região e Educação. Recife: Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Recife, v.1, n.1, jun. 1961.

[12] JUREMA, Aderbal. A situação do ensino primário em Pernambuco. In.: CENTRO REGIONAL DE PESQUISAS EDUCACIONAIS DO RECIFE. Educação e Região: Problemas de Política e administração escolares no Nordeste brasileiro. Recife: CRPE/INEP/MEC, 1960. P. 67-88.

[13] Ibid. p. 96.

[14] FREYRE, Gilberto. Palavras às professoras rurais do Nordeste. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro: Inep, 1957b (Vol. XXVIII, n. 68). p. 40.

[15] Ibid. p. 43.

[16] Ibid.

 

(Texto completo em: SOUZA, Kelma F. Beltrão de. In.: BRAYNER, Flávio. Cultura: os diversos usos de um conceito. CEPE: Recife, 2023. No prelo)

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