Em Pernambuco, nas eleições municipais do Recife de 1959, o candidato da Frente Popular, Miguel Arraes, inclui entre suas prioridades, nas plataformas eleitorais, o item educação.
Eleito prefeito, Arraes encarrega Anita Paes Barreto, assessora-técnica da prefeitura de apurar a situação do município em relação à educação. Até àquele momento não existia escola municipal, já que as que existiram em fins do século XIX foram transferidas para o Estado em 1926. Dessa forma em 31 de janeiro de 1960, os resultados são apresentados no Plano Municipal de Ensino, os quais revelaram que o principal problema seria a falta de unidades escolares. Diante dessa realidade, algumas ações são projetadas, como cursos suplementares, orientação educacional, formação de um corpo de professores. A principal questão seria aproveitar e conscientizar a comunidade para solucionar os problemas educacionais, nesse sentido, incentivar também a formação de associação de pais (WEBER, 1984, p. 239).
Nesse contexto, as ações educativas se somam ao nascente Movimento de Cultura Popular, e, em 1. ° de maio de 1960, são inauguradas, oficialmente, as dez primeiras escolas do MCP, início da mudança do panorama educacional do Recife (WEBER, 1984, p. 239).
Souza (1987) nos fala que nesse período da história da educação em Pernambuco, ou seja, fins da década de cinquenta e início da década de sessenta, grupos anteriormente comprometidos com a classe proprietária, agora se posicionam como educadores das massas: Igreja, estudantes, intelectuais, universidade, Estado. Até esse momento, só os comunistas interferiam junto às camadas populares. Então vários movimentos surgem preocupados com a problemática educacional. Continuando sua análise, este mesmo autor, relata que os momentos de crise têm proporcionado o surgimento de importantes pedagogias. Em Pernambuco essa crise passaria pelas condições geradas pela Zona Canavieira e Agroindústria, isto é, pela política protecionista do Instituto do Açúcar e do Álcool-IAA e exploração da mão-de-obra, com manutenção de preços baixíssimos da cana-de-açúcar, surgindo dessa forma não só movimentos educativos, mas movimentos sindicais, camponeses, entre outros.
Das ações educativas desenvolvidas em Pernambuco, surge, inicialmente, o MCP ligado à prefeitura de Miguel Arraes. A própria imprensa local retrata esta realidade em seu editorial em maio de 1960, fazendo referências sobre o trabalho da Prefeitura:
Eis uma iniciativa impossível de obscurecer: as escolas municipais saíram da fase de planejamento. Domingo, foram inauguradas dez em Santo Amaro. Todas bem equipadas, conferindo às comemorações do Dia do Trabalho, nível superior aos discursos. Outras serão abertas, ainda este mês, em Casa Amarela, Afogados e Beberibe conforme a promessa do prefeito Miguel Arraes. Para isso a prefeitura conta com seus próprios equipamentos, oficina e fabrico de mesas e bancas, que a livraram de encomendas aos donos de comércio de móveis e assim do gasto excessivo de dinheiro. Conta, sobretudo com um Movimento de Cultura Popular, não só de rótulo, que funciona (DIARIO DE PERNAMBUCO apud SOUZA, 1987, p. 103).
Logo após o início das atividades da prefeitura surge a Fundação da Promoção Social-FPS, vinculada ao governo do Estado, de Cid Sampaio. É importante salientar que a sucessão estadual provoca maior “disputa” nas atividades educativas e culturais por parte destes órgãos que ampliam significativamente suas atividades (WEBER, 1984). Dentre essas pedagogias, a proposta de Miguel Arraes, de acordo com Souza (1987) representada pelo MCP, foi a capaz de organizar uma educação em parceria com as camadas populares, enfatizando assim seus compromissos com elas.
Esta realidade transforma também a postura da imprensa, pois na medida em que avançam as divergências políticas locais e nacionais, a postura da imprensa escrita e da opinião pública, é modificada.
No primeiro semestre de 1962 foi lançada oficialmente o Livro de Leitura ou Cartilha do MCP, que serve de base para os trabalhos de alfabetização desenvolvidos pelas escolas radiofônicas na educação de adultos. Com a proposta de atender às camadas populares, o livro trouxe informações necessárias para proporcionar à população a formação de uma consciência social, política, econômica e cultural; filosofia essa que também norteava o trabalho desenvolvido por Paulo Freire na educação de adultos. Essa postura é identificada como subversiva pelos “opositores” eleitorais do então prefeito Miguel Arraes, principalmente quando este se afasta da prefeitura para candidatar-se a governador (WEBER, 1984).
Outro aspecto que incrementou ainda mais as críticas é que a sociedade, naquele momento, vive no período de Guerras Frias, marcadas por uma divisão em blocos: capitalista e comunista. O interesse de alguns grupos se atrela ao capitalismo, justificado tanto pelas ações capitalistas como pela dependência econômica dos Estados Unidos, principal país e articulador do bloco capitalista. Já outros grupos vinculam seus ideais ao do Comunismo e ao do Socialismo.
Portanto, é para conter o avanço do bloco socialista que pressões acontecem pelo Brasil. Essas pressões caem em Pernambuco, sobre as lideranças políticas com propostas de caráter popular, bem como sobre a população que comunga com essas propostas, como por exemplo, aqueles que estão envolvidos diretamente com a política educacional proposta pelo MCP. Neste sentido, foi organizado pelos Estados Unidos, a “Aliança para o progresso”, com intenções de fortalecer o capitalismo nos países da América Latina e deter o avanço de forças socialistas. Para eles, a proposta que promovesse e incentivasse a conscientização das camadas populares significava ser subversiva, ou melhor, estar servindo às intenções socialistas (MATTELART, 1998).
Portanto, foram assim canalizadas as discussões políticas. Arraes ser eleito significava ampliar as ações tidas como “subversivas”, do âmbito municipal para o estadual. Além das constantes críticas apresentadas pela imprensa escrita pernambucana, o que causou grande impacto na opinião pública foi a peça teatral escrita por Hermilo Borba Filho (WEBER, 1984). A peça, apoiada pela Fundação da Promoção Social – FPS, era intitulada de A Bomba da Paz. Seu contexto trazia uma sátira aos principais componentes do MCP e os acusava de subversivos. É assim que se refere o Diário de Pernambuco à peça, em abril de 1962: “primeira reação à infiltração vermelha no teatro brasileiro” (apud WEBER, 1984, p.251).
Mas ocorreram também mobilizações de repúdio às acusações ao MCP. Uma delas foi de Anísio Teixeira, que defendeu publicamente o Livro de Leitura. Estudantes e intelectuais também se posicionaram a favor do Movimento através de debates e manifestações por escrito (WEBER, 1984).
Mesmo assim, diante das disputas canalizadas para o contexto sucessório, Miguel Arraes provou o forte apoio que tinha da população nas urnas. Foi eleito governador e deu início a ampliações das ações do MCP pelo Estado. Germano Coelho assumiu a Secretaria de Educação do estado, onde o método Paulo Freire começou a ser utilizado em alguns locais do interior, bem como as atividades das escolas radiofônicas. Dessa maneira ocorre também a extinção do FPS onde são incorporadas ao MCP as atividades existentes e o corpo técnico.
Mas o fato de Arraes ter ganhado as eleições não significava o fim das pressões. Ao contrário, este momento vai desencadear numa série de acontecimentos que culminam no golpe de Estado de 1964, por meio do qual Arraes é deposto. Tudo que está vinculado à gestão de Miguel Arraes é destruído, inclusive o Movimento de Cultura Popular. Tudo que representava o MCP, sedes e documentos, foi destruído, participantes foram perseguidos, presos, torturados e exilados. Da política educacional proposta, restaram apenas escolas, salas e professores, que mesmo sem ter o mesmo objetivo pedagógico, proporcionou um novo panorama para a Rede Municipal de Ensino do Recife, já que as ações educativas organizadas pelo MCP foram “transformadas” na Fundação Guararapes (AZEVEDO, 1986).
Sobre a experiência em Educação a Distância não foram encontrados registros de que esta experiência tenha se perpetuado após o golpe de 1964.
Texto completo no livro: SOUZA, Kelma F. Beltrão de. A Educação a Distância no Movimento de cultura popular. Olinda: Livro Rápido, 2006.