Paulo Freire atuava no CRPE desde sua instalação quando inscreveu o projeto Vocabulário infantil de crianças de 7 a 12 anos em Pernambuco. Logo depois, entre março de 1958 a junho de 1959, ele participou do curso Problemas de Política e
Administração Escolares no Nordeste Brasileiro, nessa ocasião, ele apresentou a conferência: Escola e Comunidade – considerações a propósito de suas relações e foi debatedor de outra: Reflexões Humanísticas sobre o Ensino Oficial no Nordeste proferida pelo professor Cônego Hélio Souza. Provavelmente quando foi convidado para proferir a conferência, em 1960, ele ministrava aulas na Universidade do Recife como professor interino (atual professor substituto) do curso de Desenho, lecionando a disciplina História e Filosofia da Educação e já havia começado a atuar também no Movimento de Cultura Popular (MCP).
Muito inspirado em Álvaro Vieira Pinto (Ideologia do Desenvolvimento Nacional), como ele mesmo indica em nota de rodapé, Paulo Freire começa sua conferência fazendo uma importante reflexão sobre a sociedade brasileira. Uma sociedade alienada, sem esperança e com as elites distantes da cultura popular. Portanto vivendo uma época de trânsito que só cessará, entrando no eixo do desenvolvimento, a partir do diálogo das elites com o povo, levando-os a conseguir a consciência popular. Para ele essa consciência popular tem sido alcançada pelos movimentos de cultura popular, como por exemplo o Movimento de Cultura
Popular (MCP) de Recife.
Para Freire é praticamente impossível o Brasil conquistar o desenvolvimento econômico sem incluir o povo e de forma que ele seja consciente. Nesse sentido para tornar o povo consciente seria necessário investir no nosso sistema educacional, reformando-o. Para validar sua estratégia ele compara a realidade brasileira, um país de economia subdesenvolvida, com a realidade da Rússia e dos Estados Unidos, países desenvolvidos que investiram na educação, especialmente na formação da mão-de-obra, graduando engenheiros, médicos, professores etc. e formando técnicos para indústrias. Dessa forma é necessária uma revisão no nosso processo educativo.
Ao tratar especificamente do seu tema: escola primária, Paulo Freire traz alguns dados históricos sobre o problema da educação popular, enfatizando a insuficiência de escolas no Brasil para educar o povo. Além disso as escolas que existem possuem o ensino pautado na memorização e inadequado a realidade brasileira, no sentido de não atender as especificidades
locais e regionais. Uma escola que está alheia as necessidades dos trabalhadores brasileiros, dificultando mais ainda a qualificação da mão-de-obra. Aspectos que causam repetência e abandono diante das escolas existente, que por sua vez, já são insuficientes. Essa forma, para Freire, é incapaz de fixar o aluno na escola pois está desvinculada ao meio que vive, bem
como sua realidade no mundo do trabalho.
É importante dizer que Freire articula seus argumentos a dados estatísticos, outros textos do ISEB, boletins da CAPES e sua tese de concurso Educação e Atualidade Brasileira (1959/1960). Apesar de Freire não citar nessa conferência diretamente os Pioneiros da Escola Nova, sua análise sobre o sistema escolar brasileiro está muito pautada no que já vinha sendo
dito e feito principalmente por Anísio Teixeira, Fernando Azevedo etc. Desde 1932, os Pioneiros da Escola Nova, em Manifesto, faziam uma série críticas sobre a realidade do nosso sistema educacional, suscitando a necessidade de uma reforma educacional. O próprio Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Pernambuco (CRPE), responsável por viabilizar a conferência de Paulo Freire, foi organizado por Anísio Teixeira com o intuito de suprir essa necessidade: promover o ensino, a escola e a administração escolar descentralizadas, no sentido de buscar atender as demandas regionais, locais etc.
Sobre a falta de experiências que prezem em atender a realidade local, Freire aponta que esse fato e a necessidade dos alunos trabalharem, vem provocando o abandono dos estudantes nas últimas séries nas escolas primárias. Ele recorda que na época que dirigiu a Divisão de Educação e Cultura do Sesi de Pernambuco presenciou vários casos, um deles tratou-se de um menino “apático e tristonho” diante da aula que estava assistindo. Outro exemplo, cita Freire, é o que vem fazendo o Movimento de Cultura Popular (MCP) e a prefeitura do Recife quando aproveitam os clubes recreativos, as sociedades beneficentes, os
sindicatos, as associações religiosas para atender as crianças com a efetivação de escolas populares.
Dessa forma precisamos de escolas primárias que “se estude e se trabalhe”. Que se ensine a escrever, ler e contar, mas também se ensine sobre a realidade brasileira, fazendo os alunos entenderem melhor o local que eles nasceram, cresceram e ainda fazem parte.
Numa de suas notas de rodapé, Paulo Freire vai reclamar, afirmando que não compreende como até o momento, no Nordeste Brasileiro, não se tenha refletido, pelo menos até onde ele conheça, sobre as ações de oferecer ao aluno, em vez de livros de leitura, triagens do “romanceiro popular”, leituras autênticas de um Nordeste, de uma região original. Didaticamente seria uma forma de ensinar que fizesse sentido para o aluno.
Freire conclui sua conferência nos indicando alguns aspectos importantes observados diante dos trabalhos experimentais que realizou: despertar as escolas para os acontecimentos de sua comunidade local, bem como a necessidade de um trabalho conjunto com a comunidade; melhorar os padrões culturais e técnicos do pessoal docente; promover formas de estabelecer a interação entre as escolas e famílias; promover melhores formas de assistência ao aluno; estimular as famílias a interagirem com as escolas, inclusive criando associação de pais etc. Esses aspectos sugeridos podem nos ajudar a constituir uma escola
primária para o Brasil adequada ao meio.
Acesso ao texto completo: SOUZA, Kelma F. Beltrão de Souza. A ESCOLA PRIMÁRIA DO PROFESSOR PAULO FREIRE. ANAIS da 41ºReunião Nacional da Anped/ GT Educação Popular. Manaus: UFAM, 2023.