Uma conversão (No Caminho de Apipucos) por Flávio Brayner (JC, 16/07/2024)
A professora Kelma Beltrão publica, em breve, um livro que trata de um tema relativamente insólito, intitulado: Brasileirinho da Silva: a história da conversão de um homem!
É claro que sempre que tratamos de “conversão”, a primeira personagem que nos ocorre é Paulo de Tarso no Caminho de Damasco (Atos dos Apóstolos), em que Paulo (ou Saulo) fica cego por três dias antes de aceitar o Cristianismo, que antes perseguira. Três dias! A personagem desse livro levou, nada menos que 36 anos para realizar inteiramente sua conversão! De quem se trata? De que “conversão” estamos falando?
O protagonista desse livro é, ninguém menos do que o sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987), e a sua “conversão” não é religiosa, mas pedagógica: de defensor do analfabetismo das massas em 1923, ele se torna diretor de um Centro de estudos e pesquisas em educação em Pernambuco no final dos anos 50, sob a batuta nacional de Anísio Teixeira.
Paulo Freire atuava no CRPE desde sua instalação quando inscreveu o projeto Vocabulário infantil de crianças de 7 a 12 anos em Pernambuco. Logo depois, entre março de 1958 a junho de 1959, ele participou do curso Problemas de Política e
Administração Escolares no Nordeste Brasileiro, nessa ocasião, ele apresentou a conferência: Escola e Comunidade – considerações a propósito de suas relações e foi debatedor de outra: Reflexões Humanísticas sobre o Ensino Oficial no Nordeste proferida pelo professor Cônego Hélio Souza. Provavelmente quando foi convidado para proferir a conferência, em 1960, ele
ministrava aulas na Universidade do Recife como professor interino (atual professor substituto) do curso de Desenho, lecionando a disciplina História e Filosofia da Educação e já havia começado a atuar também no Movimento de Cultura Popular (MCP).
Que experiências educacionais estiveram presentes na educação popular no Recife – importantes na configuração da Rede Municipal de Educação – além daquelas que estão relacionadas ao advento do Movimento de Cultura Popular (MCP) (1960-1964)? A educação popular na cidade, especialmente a Rede Municipal de Educação, é comumente indicada como oriunda do MCP, que ocorreu no Recife nos anos 1960-1964. Pensamos que, em uma configuração não linear e descontínua de espaço e tempo, outras experiências também foram importantes para constituir o que chamamos, hoje, de Rede Municipal de Educação do Recife. Dentre as experiências aconteceram as primeiras escolas municipais (escolas isoladas e reunidas), que começaram a funcionar juntamente com o governo do Estado de Pernambuco em 1895. A outra experiência foi o Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Pernambuco, que se instalou em 1957 no Recife, especialmente a ideia de cultura popular ali promovida. Elas nos mostram, dentre outras coisas, que a formação da Rede Municipal do Recife vai além da experiência do MCP, como comumente é indicada.
Cannibal, vocalista da banda Devotos, disse no seu livro Música para o povo que não ouve (CEPE, 2018) que sua história com a música começou quando se deu conta que fazia parte da população brasileira que teve seus direitos básicos negados. Entre ficar calado e gritar, Cannibal resolveu gritar! Assim, quando a Assembléia Legislativa de Pernambuco, em Sessão Solene, homenageia a banda de punk rock hardcore Devotos pelos seus 30 anos de contribuição à cultura pernambucana, de certa forma é um indicativo de que o grito de Cannibal foi ouvido. Mais: é possível perceber Cannibal, Cello e Neilton como representantes dos negros (pretos e pardos) das nossas periferias. Entendo essa solenidade como uma espécie de reparação do poder público, que cumpre a tarefa de destruir, do imaginário das pessoas, a discriminação e o racismo que ele mesmo forjou outrora.
Quem poderia imaginar que uma pernambucana nascida em Vitória de Santo Antão, filha de um professor da educação básica, e com apenas 29 anos de idade aí por volta de 1955/1956, se tornaria assistente de um dos maiores pensadores da contemporaneidade – o alemão Martin Heidegger (1889-1976)?
Pois Maria do Carmo Tavares de Miranda (1926-2012), formada em Letras e Filosofia e professora do Ensino Superior, dominando oito línguas, certa vez, na Europa, cursando pós-graduação em Filosofia na Sorbonne, na França, teve a oportunidade de participar do Curso de Especialistas estudiosos da Filosofia de Martin Heidegger (dirigido por ele mesmo, na Universidade de Friburgo, Alemanha), vindo a se tornar sua assistente.
A proposta desse texto é mostrar algumas ideias sobre educação e cultura (regionalista) que estavam presentes no Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Pernambuco, ideias especialmente tecidas pelo sociólogo Gilberto Freyre, algumas antes mesmo de assumir a direção deste centro.
O Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Pernambuco começou a funcionar no Recife em novembro de 1957. O Centro fazia parte de um projeto mais amplo e organizado por Anísio Teixeira, que objetivava tornar sistemática e descentralizada a Educação no Brasil. Havia, também, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e os Centros Regionais da Bahia, de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, todos criados com o objetivo de fomentar regionalmente a pesquisa e a ciência na Educação (no sentido de promover a descentralização), com vistas a elaborar gradualmente uma política educacional para o país[1]. Seria uma instituição para assanhar professores, intelectuais, políticos e estudiosos das várias regiões do Brasil, colocando-os para estudar, pesquisar e debater sobre a Educação e encampando a ideia de que esta seria necessária para construir uma sociedade moderna, um homem moderno, um homem novo.
Para constituir os Centros, Anísio Teixeira se fundamentou nas ideias de John Dewey[2] (teórico da Escola Nova) sobre a organização do sistema escolar americano, nas diretrizes sobre a descentralização da Educação ditas no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932[3] (que ele assinou como um dos signatários) e no Documento Klineberg[4] (elaborado pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – UNESCO), que destacou a necessidade de atender às demandas regionais.
Os pioneiros já diziam, em manifesto (1932): mesmo depois de anos de República, tudo estava na educação do Brasil desarticulado e fragmentado. Era necessário constituir um sistema para o país! Um sistema gratuito, público e laico. Descentralizado, atendendo as necessidades locais, mas regido por leis gerais. Nos anos 1950/1960, mesmo com muitas ações pontuais de muitos dos signatários do manifesto (inclusive de Anísio!), ainda se questionavam aspectos sobre o sistema de educação. Tanto que a organização dos próprios centros (brasileiro e regionais) veio para tentar tornar ‘sistemática’ a educação no Brasil.
Anísio, em 1957, ainda orientava que administrativamente a escola deveria ser dirigida por autoridades locais e regida através de leis estaduais e federais, sendo integrada à comunidade. Porém, essa integração não seria só administrativa, “mas, na identificação da escola, pelo seu currículo, com as atividades, as características e as condições do meio e da cultura local”.
Freyre ‘desdobra’ o que seria o sistema de educação. Para ele, seria um sistema que privilegiasse a rurbanização. Ou seja, temas, métodos e práticas organizados de forma a conciliar os valores urbanos e rurais. Um ensino que considere o rural (nem independente) e o urbano (nem resolvido) como complementares (FREYRE, 1957a). Na inauguração do Centro Regional, Freyre ressalta como esse “sistema de educação” deve ser desenvolvido: “no sentido da unidade nacional sem desprezo pela diversidade de situações regionais do homem brasileiro, podemos tirar partido dessa diversidade, em vez de ser por ela prejudicados” (1958, p. 35).
De animal insignificante, quando surgiu na África há mais ou menos 70 mil anos, nós – homo sapiens – chegamos ao século XXI com a pretensa ideia de que somos os donos do planeta. Em muitos sentidos a revolução cognitiva (novas formas de pensar e de se comunicar) que ‘sofremos’, serviu tanto para agirmos em prol do nosso bem-estar quanto para praticarmos ações destruidoras nos nossos ecossistemas (HARARI, 2017). Apesar dessa análise bastante pessimista (e realista) do historiador Yuval Harari sobre nós, ele ainda pontua que nas últimas décadas fomos capazes de fazer alguma melhoria no sentido de atenuar essa realidade.
De certa maneira os desastres ambientais causados pela ação da natureza (tempestades, tsunamis, furacões etc.), àqueles causados pela ação direta do homem (bombas radioativas de Hiroshima e Nagasaki, explosão de Chernobyl; no Brasil: acidente radioativo em Goiânia, Barragens em Mariana e Brumadinho, derramamento de óleo nas praias do Nordeste do Brasil), estimularam a necessidade de políticas (acordos, protocolos e outros dispositivos legais) e ações (ambientais, educativas) de iniciativas privadas e públicas fazendo-nos avançar sensivelmente em benefício do meio ambiente. Levando em consideração de não termos mitigado todo estrago já causado.